Era uma vez uma rapariga esquelética de amor, um isco de ingenuidade gordo de antíteses. Era uma vez uma pintora que encostou os pincéis para escarafunchar uma trama de segredos que emergem da mente (ou da vida).
"Ninguém nos prepara para isto, nem o Júlio calado, nem as lágrimas da Cristina, nem a Odete nua no whisky, nem a sola de madeira no osso, as coisas que nos espantam pouco nos imunizam. É como se viver fosse uma prescrição para pessoas mal preparadas, as bem preparadas não as conheço, serão almas que já aqui andaram e que agora nos veem e troçam de nós de perna cruzada no sofá enquanto passamos o chão a esfregona, fantasmas que penetram a parede da sala para dar à cozinha, abrem a porta do frigorífico e riem da marmelada que não solidificou, cacarejam ao ver o cu de quem metemos na cama, que do nosso já não conseguem rir, e bocejam esta frase pronta a causar dano, Ao que tu chegaste. Aquela noite veio a revelar-se na minha mais incompreensível inaptidão."
Neste romance de estreia, Gabriela Relvas vira tudo do avesso numa linguagem frenética, desprovida de regras e carregada de inconformismo. Sara Branco Bizarro, personagem principal desta história, pinta retratos rápidos de uma trama de segredos que emergem dos lugares mais recônditos dasua existência, numa narração insaciável. Gulosa, a rebentar, ainda que vazia; um isco de ingenuidade gordo de antíteses.
Prestes a fazer quarenta e dois anos, circula no passado por necessidade, põe na mesa a criança que viu o que não devia ter visto.
Um livro vertiginoso e poderoso sobre o que, por vezes, custa ser mulher.