O que se conta neste livro é a história de vida - nascimento, agonia e loucura - do credenciado Pierre Bonnechance, aquele que era o único preto da cidade de Leiria. Mas também o mais bem vestido, o mais perfumado, e que fazia dele um preto mais branco que os brancos. Gozou de um estatuto de privilégio, ancorado no seu amor devotado ao Estado Novo, de que se fez, desde a juventude, grande apoiante. O 25 de Abril desbancou-o desde estatuto, levando-o a mergulhar no fel da rejeição. Consegue recuperar quando, no velório de Torcato Bernardes (Os Manuscritos de Leiria, editado pela Gradiva), encontra a viúva Palmira João (Os Manuscritos de Leiria). É ela que o vai ajudar a superar a confusão do vale-tudo, segundo ele, que se instalou no país com o 25 de Abril. Mas a sorte não estava com ele, acabando Pierre Bonnechance num estado de delírio, vagabundeando pela cidade, citando as profecias de Isaías.
Tal como um nocturne de Chopin, pela narrativa perpassa uma aragem de melancolia, tristeza, soturnidade, mas também emoções límpidas e serenas que se desentranham da alma de qualquer ser humano que mantenha a sensibilidade intocada.